#TBT da ABC – Professor: de civilizador do homem a curador do conhecimento

A educação torna-se política pública desde o início do século XIX; e o professor tem seu dia celebrado desde a década de 1920, mas ainda hoje enfrenta desafios que colocam o seu trabalho em questão

No passado, a educação era vista como o meio de civilizar os indivíduos. Com as transformações técnicas e sociais, a educação foi vista como meio de possibilitar aos indivíduos conhecimentos para lidar com as tecnologias que chegavam e, consequentemente, gerar valor para a nação. Hoje, a educação acaba por buscar sistematizar o volume de informações ao qual estamos expostos, para que não soframos uma overdose que, ao invés de deixar mais cientes do que acontece no mundo, nos priva de compreensão e articulação entre tudo o que vemos e o nosso cotidiano. Em cada momento dessa jornada, lidar com esses conceitos e as diversas expectativas que surgiam em torno da educação foi delegado para os professores.

Se hoje, com o isolamento social e as dificuldades advindas da pandemia, ficou muito claro o papel dos professores no cotidiano das crianças, jovens e adultos, observar como o papel do professor esteve em destaque no passado nos permite compreender como a educação foi um cenário para o estabelecimento de uma identidade do ser brasileiro, culto e ativo junto à “sociedade moderna”.

Alguns debates que presenciamos ainda hoje, quando o assunto é educação, já estavam presentes há 193 anos, quando D. Pedro I proclamou a lei que instituiu escolas de "primeiras letras" em todas as maiores vilas do império. O dia 15 de outubro foi escolhido por um alinhamento com símbolos da história de Igreja Católica. Isso porque esse dia é consagrado a Teresa D’Ávila, uma das poucas mulheres doutoras da fé na história do catolicismo, religião do Imperador e, consequentemente, do Estado à época.

Cabe notar que educação e religião andaram juntas durante muito tempo na história do Brasil, onde o Estado sustentava a Igreja e os membros dessa igreja serviam como burocratas, olhos e ouvidos do Imperador desde os tempos coloniais. São os membros da Igreja Católica os responsáveis pelos primeiros empreendimentos que podemos chamar como “de educação”, criando núcleos que reuniam índios para registrar sua língua, catequizá-los, ensinar os rudimentos de língua portuguesa e o temor ao governo e à Igreja.

Período Imperial

A lei de 1827 buscava organizar um sistema de educação, pensado como público e gratuito, para que pudesse oferecer ao Brasil pessoas com conhecimentos úteis. No texto da lei, podemos entender o que era entendido como útil. Paraos meninos: noções de matemática, geometria prática e português, história do Brasil, moral da religião católica, dando-se preferência para a leitura da Constituição do Império. Para as meninas, as mesmas coisas deveriam ser ensinadas, mas com limitações em relação à matemática e à geometria, além da inclusão de prendas domésticas. Essa visão de “ensino útil e funcional” perdurou durante anos, de modo que ainda é possível encontrar na virada do século XIX para o XX provas de concursos para professoras que incluíam a confecção de uma pequena peça de crochê como parte da avaliação.

A lei trazia também orientação explícita sobre o método de ensino a ser utilizado. Escolhia-se o Método Lancaster, que tinha como objetivo otimizar o investimento do governo na educação. O professor lecionava para um grupo pequeno de alunos que, posteriormente, repassava as orientações e atividades para grupos menos avançados “na matéria”, alcançando assim mais pessoas. Entretanto, o que é destacado na lei não é a dinâmica de aprendizagem, e sim a sistemática de castigos preconizados pelo método a serem aplicados aos alunos.

Em 1837 já existem registros de “cadeiras” de determinadas disciplinas em Goiás, como retórica e letras latinas, e pelo menos oito escolas de "primeiras letras" na província como um todo. Mas a falta de professores habilitados para ocupar as ditas vagas já dificultava o intento de expandir o ensino nas vilas goianas.

Papel na Educação

O Império do Brasil caiu em 1889, mas a percepção do papel da educação – e dos professores – na construção de uma identidade nacional e de um contingente de pessoas aptas a lidar com as máquinas e com a modernização que elas traziam ao país manteve-se no seio do novo regime. A necessidade de criar imagens significantes para uma identidade moderna brasileira fizeram com que se elaborassem festejos relativos ao centenário da “instrucção primária” em todo o país, com desfiles de estudantes, jantares dançantes e muitos discursos. O costume de efetuar essas celebrações se manteve, e o dia do professor passa a ser comemorado anualmente por várias instituições e mesmo alguns estados, como Paraná, Pernambuco, Bahia e Espírito Santo, decretam feriados para celebrar “os mestres” a partir de 1930.

As associações estaduais pela educação acabam por capitanear esses festejos. Eles vão sendo reforçados durante o governo Getúlio Vargas, com uma forte associação da profissão do professor com a modernização da sociedade, e a construção de um civismo que tinha no culto à figura de Vargas, uma das suas peças essenciais. Mesmo com toda essa “valorização”, apenas em 1963 o “dia do professor” passa a ser uma celebração nacional, com o decreto de João Goulart que instituiu o feriado escolar. O decreto de Goulart ainda está em vigor, apesar de não ser mais tido como um dia de suspensão de aulas.

Como é uma celebração vinculada à própria história dos lugares e ao modo que a figura do professor é compreendida nas sociedades, cada país elege uma data distinta para celebrar os professores. Assim, temos desde países que acabaram associando a data a personalidades políticas que eram professores – como a Índia –, até nações que consideram o professor como uma figura associada ao próprio processo de transformação nacional – a exemplo da Turquia.

A ONU, através da Unesco, por sua vez, desde 1994 definiu o dia 5 de outubro como dia do professorado mundial, lembrando o papel desse profissional como impulsionador de transformações pessoais e sociais. A exemplo disso, nesse ano a mensagem da celebração está focada no tema “professores: liderando na crise, reimaginando o futuro”.

A celebração do 15 de outubro, então, não é concernente apenas aos indivíduos que ensinam as primeiras letras ou os refinamentos das ciências biológicas, humanas e exatas para as novas gerações. Mas também ao percurso que a difusão do conhecimento já possibilitou aos indivíduos, às organizações e à sociedade como um todo, refletindo assim como a comunidade vai enfrentar os novos desafios com o auxílio desses profissionais que, mais do que repassar o conhecimento, possibilitam que ele seja articulado com o cotidiano.

Givaldo Corcinio – ABC Digital

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